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2 comentários:

Anónimo disse...

[...(aveinenses) ] ficaram algo incomodados com o seu método de transmissão de pensamentos e por isso puseram-lhe arreios e viseiras, atrelando-o em seguida a uma carroça de transporte de livros. Daí a procura dos seus serviços para questões literárias.
A verdade é que ninguém calcula a sabedoria que paira no pó dos livros; ninguém sabe que o génio do livro emite um sopro de saber quando se vira uma página ou se fecha o calhamaço. E só os verdadeiros caloiros parecem avaliar quão proveitosa é uma boa cabeçada (vulgo marrada!) num livro quando os métodos convencionais de estudo falham.
Mas Asnágoras sabis tudo isto e ia descarregar um de cada cinco carregamentos numa cova oculta por detrás de uns arbustos, nas cercanias da cidade. O desvio era razoavelmente discreto e a coisa foi passando.
À noite, quando o vulgar aveinense estava na taberna a beber, a vulgar aveinense estava..., o vulgar Veterano académico também estava... (talvez com a vulgar aveinense que, como já se disse, costumava...); à noite quando os raros lampiões usurpavam da noite um pouco do seu império de trevas, substituindo-o por magra e doentia luz... uma mão misteriosa, anónima, de insondáveis desígnios arremessava um calhau certeiro que se ia abater contra a chama condenada... Passos abafados denunciavam alguém que se movia do esconderijo e ante o próximo lampião parecia ameaçar: "o seguinte!"
Era Asnágoras que de lampião em lampião ia saindo da cidade, sabe Asnúrio - deus de Asnágoras e dos caloiros gregos de Aveinas - com que intenção.
Daí a pouco, ruídos brutais, gargalhadas animalescas, brados selvagens se faziam ouvir em Aveinas. O vulgar aveinense pousava a caneca, gelado de terror! Após um momento de indecisão metia pés à calçada sem pagar a conta e ia meter-se em casa onde, em companhia da sua vulgar família, esperava com vulgar resignação o seu vulgar destino. Como o vulgar taberneiro também era um vulgar aveinense, trancava a porta da taberna com vulgar pânico, o que originava o esquecimento do vulgar calote. (Lembro ao (vulgar) leitor que em Aveinas havia vulgares estudantes, daí a vulgaridade do calote!)
[... ]

Luís Botelho Ribeiro disse...

[...]
Há que esclarecer que o vulgar aveinense já não dava de caras com o vulgar Veterano académico porque este havia recolhido à sua vulgar república. Após semanas de repetição desta cena, os aveinenses decidiram investigar e organizaram uma expedição de busca. Quando chegaram às proximidades do arbusto atrás do qual Asnágoras escondia os papiros, compreenderam que era ali que a bárbara festa tinha lugar. Alguns temerários espreitaram e que viram eles? Asnágoras espulinhava-se nas centenas de papiros ali depositados. Mergulhava e voltava a emergir dos rolos soltando os ruídos [... continua]